Este texto será conduzido através da ciência que estuda a história da música ocidental (etnomusicologia) e codificou a mesma por meio de uma teoria musical (musicologia) para narrar sobre um processo histórico confeccionado pela indústria cultural. Evidencio que no final do século XIX a indústria fonográfica pouco a pouco passou a criar várias segmentações de mercado através de categorizações musicais com o intuito de facilitar para que os clientes (fãs) encontrassem o produto (artista) de sua preferência. Essas rotulações determinadas pelas gravadoras foram inspiradas por meio de uma descrição estabelecida mediante uma hipótese apresentada na musicologia, isto é, dentro de uma interpretação teórica conceitual essa corrente compreende que “gênero” e “estilo” musicais são dois termos separados e com características secundárias, podendo ser definidas como partes de música que compartilham “linguagem musical básica”. Logo, foi através desta tese que a princípio os gêneros musicais foram moldados para o mercado fonográfico e posteriormente os estilos musicais. Esse conceito englobou uma rede complexa de relações, envolvendo os mais diversos agentes, tais como: intérpretes, compositores, gravadoras, distribuidoras, crítica jornalística dentre outros.
O Forró como Estilo Musical Urbanizado
Mediante as informações condensadas anteriormente para melhor compreensão, podemos narrar agora sobre a construção do Forró como estilo musical urbanizado1. Ressalto que houve um hibridismo por meio de uma adaptação do folclore sertanejo nordestino aos padrões e gostos urbanos, ressignificando o folclore e a tradição, massificando assim a cultura popular, influenciada pela indústria fonográfica no Brasil. Em suma, é através de uma análise histórica difundida no conceito que foi a indústria fonográfica quem adotou uma categorização do Forró como um estilo musical e que nele habitava vários gêneros musicais originados do povo nordestino. Essa ideia de rotulações foi adquirida através dos discursos narrados por alguns artistas do segmento, como: Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Zé Dantas, Pedro Sertanejo, Jackson do Pandeiro, dentre outros; que propagaram tal alegação por meio de títulos de várias músicas, canções e LPs. Assim como difundiram esse conceito através de vários programas de rádios. Por meio deste entendimento compreendemos que a contextualização de uma identidade sertaneja nordestina através da música, não foi por uma definição estabelecida pelas ciências que estudam a mesma2.
No início da década de 1970, surgiu diversos gêneros e subgêneros no mercado musical criando a necessidade de uma nova categorização, fato que foi discutido na época entre os setores de produção fonográfica e mídia no mundo. Sendo assim, com o intuito de adaptar um novo costume no público consumidor, passaram a associar o conceito de estilo musical com o “período musical”, pois já existia anteriormente um cronograma da industrial cultural, que dividia o mercado musical em períodos durante o ano. No Brasil,
existia um cronograma distinto, no início do ano era o período carnavalesco, no meio do ano era o período junino e no final do ano era o período natalino; também existia períodos curtos de consumo, usados pela indústria cultural; como: o dia dos namorados, o dia das mães entre outros, ou seja, o mercado fonográfico passou a mancomunar estilo musical aos segmentos de mercado estabelecidos pelo público consumidor da indústria cultural. Enfim, as gravadoras utilizaram o mesmo termo para identificar um gênero musical e classificar um segmento de mercado, ou seja, o Forró que tinha na sua origem o significado de uma festa que contemplava várias danças e músicas, passou também a denominar um respectivo segmento da música nordestina brasileira.
Ainda no mesmo período iniciou-se um processo de triagem dentre os gêneros musicais executados em cada segmento musical, levando os compositores, letristas, músicos, cantores dentre outros; a serem cautelosos nas suas escolhas de repertório, pois tinham um objetivo em comum, atingir a meta estabelecida pelas gravadoras; ou seja, aquele artista que vendesse a abaixo da “cota” determinada seria dispensado do elenco da instituição. Essa política de mercado contribuiu para um afunilamento de escolhas de gêneros musicais. Sendo assim, na década de 1980, sobreviveram a essa triagem os seguintes gêneros do segmento musical citado: o Baião, o Xote, o Forró, o Xaxado, a Toada e a Marchinha ou Arrasta-pé. Destaco que entre os diversos componentes que se agregam para a definição de um estilo musical, podem-se classificar:
- Melodia – é uma sequência de notas de diferentes sons, organizadas numa determinada forma, de modo a fazer “sentido musical” para quem escuta, através de modos tonais e modais.
- Harmonia – significa que quando três ou mais notas de diferentes sons, são ouvidas ao mesmo tempo, produzem o que chamamos de progressões de acordes.
- Timbre – é a característica da sonoridade de um gênero musical.
- Tessitura – é uma região onde a música é executada. Algumas músicas apresentam uma sonoridade bem densa, que fluem com facilidade, e outras se mostram com os sons mais rarefeitos e esparsos, produzindo um efeito penetrante e agressivo.
- Instrumentação – significa quais os tipos de instrumentos mais frequentemente usados.
- Forma – significa a maneira de executar uma música; ou seja, refere-se à estrutura de uma peça musical. É importante não confundir forma musical com gênero musical.
- Texto – é um conjunto de palavras e frases encadeadas que permitem interpretação e transmite uma mensagem; por temas como: sacro, profano, romântico, idílico dentre outros.
Entretanto, existem algumas características que diferenciam os gêneros musicais pertencentes ao mesmo estilo, como:
- Função – que é uma intenção para a realização de algo derradeiro, seja no propósito de prelúdio na natureza animada, inanimada ou na consciência coletiva, por meio de dança, ritual dentre outros.
- Estrutura – linear, segmentada, repetitiva entre outros.
- Contextualização – geográfica, cronológica, etnográfica dentre outros.
- Ritmo – são diferentes modos de agrupar frases lineares ou preposições; muitas vezes é através dele, a primeira manifestação de identificação de um gênero musical.
Concluindo, entender a construção das identidades sertanejas nordestinas através do estilo musical denominado: Forró Pé de Serra (também intitulado como: Forró de Raiz) com seus gêneros é um caminho que passeia por paisagens distintas das quais originam pesquisas e trabalhos acadêmicos de grande relevância para levar ao público um entendimento detalhado sobre esse estilo musical brasileiro com o propósito de reforçar sua importância cultural como patrimônio imaterial brasileiro.
*por Salatiel D´Camarão
1 O termo urbanizado – é uma ressignificação do folclore, uma produção artística com a finalidade de introduzir um elemento cultural dentro do segmento de mercado fonográfico, adaptando o mesmo a uma massificação, dentro dos padrões e gostos urbanos, tornando-o um produto industrializado.
2 Etnomusicologia – também conhecida como antropologia da música, ou mais propriamente etnografia da música, é a ciência que objetiva o estudo da música em seu contexto cultural ou o estudo da música como cultura. Além da Musicologia – que é o estudo científico da música. Considera-se musicologia o ofício que pesquisa a história da música e da teoria musical.